quinta-feira, 27 de abril de 2017

Corrupção cultural ou organizada?



CORRUPÇÃO CULTURAL OU ORGANIZADA? 

Um texto de Renato Janine Ribeiro para reflexão.


Corrupção cultural ou organizada?

RENATO JANINE RIBEIRO

Precisamos evitar que a necessária indignação com as microcorrupções "culturais" nos leve a ignorar a grande corrupção


FICAMOS MUITO atentos, nos últimos anos, a um tipo de corrupção que é muito frequente em nossa sociedade: o pequeno ato, que muitos praticam, de pedir um favor, corromper um guarda ou, mesmo, violar a lei e o bem comum para obter uma vantagem pessoal. Foi e é importante prestar atenção a essa responsabilidade que temos, quase todos, pela corrupção política -por sinal, praticada por gente eleita por nós. 
Esclareço que, por corrupção, não entendo sua definição legal, mas ética. Corrupção é o que existe de mais antirrepublicano, isto é, mais contrário ao bem comum e à coisa pública. Por isso, pertence à mesma família que trafegar pelo acostamento, furar a fila, passar na frente dos outros. Às vezes é proibida por lei, outras, não. 
Mas, aqui, o que conta é seu lado ético, não legal. Deputados brasileiros e britânicos fizeram despesas legais, mas não éticas. É desse universo que trato. O problema é que a corrupção "cultural", pequena, disseminada -que mencionei acima- não é a única que existe. Aliás, sua existência nos poderes públicos tem sido devassada por inúmeras iniciativas da sociedade, do Ministério Público, da Controladoria Geral da União (órgão do Executivo) e do Tribunal de Contas da União (que serve ao Legislativo). 
Chamei-a de "corrupção cultural" pois expressa uma cultura forte em nosso país, que é a busca do privilégio pessoal somada a uma relação com o outro permeada pelo favor. É, sim, antirrepublicana. Dissolve ou impede a criação de laços importantes. Mas não faz sistema, não faz estrutura. 
Porque há outra corrupção que, essa, sim, organiza-se sob a forma de complô para pilhar os cofres públicos -e mal deixa rastros. A corrupção "cultural" é visível para qualquer um. Suas pegadas são evidentes. Bastou colocar as contas do governo na internet para saltarem aos olhos vários gastos indevidos, os quais a mídia apontou no ano passado. 
Mas nem a tapioca de R$ 8 de um ministro nem o apartamento de um reitor -gastos não republicanos- montam um complô. Não fazem parte de um sistema que vise a desviar vultosas somas dos cofres públicos. Quem desvia essas grandes somas não aparece, a não ser depois de investigações demoradas, que requerem talentos bem aprimorados -da polícia, de auditores de crimes financeiros ou mesmo de jornalistas muito especializados. 
O problema é que, ao darmos tanta atenção ao que é fácil de enxergar (a corrupção "cultural"), acabamos esquecendo a enorme dimensão da corrupção estrutural, estruturada ou, como eu a chamaria, organizada. 
Ora, podemos ter certeza de uma coisa: um grande corrupto não usa cartão corporativo nem gasta dinheiro da Câmara com a faxineira. Para que vai se expor com migalhas? Ele ataca somas enormes. E só pode ser pego com dificuldade. 
Se lembrarmos que Al Capone acabou na cadeia por ter fraudado o Imposto de Renda, crime bem menor do que as chacinas que promoveu, é de imaginar que um megacorrupto tome cuidado com suas contas, com os detalhes que possam levá-lo à cadeia -e trate de esconder bem os caminhos que levam a seus negócios. 
Penso que devemos combater os dois tipos de corrupção. A corrupção enquanto cultura nos desmoraliza como povo. Ela nos torna "blasé". Faz-nos perder o empenho em cultivar valores éticos. Porque a república é o regime por excelência da ética na política: aquele que educa as pessoas para que prefiram o bem geral à vantagem individual. Daí a importância dos exemplos, altamente pedagógicos. 
Valorizar o laço social exige o fim da corrupção cultural, e isso só se consegue pela educação. Temos de fazer que as novas gerações sintam pela corrupção a mesma ojeriza que uma formação ética nos faz sentir pelo crime em geral. 
Mas falar só na corrupção cultural acaba nos indignando com o pequeno criminoso e poupando o macrocorrupto. Mesmo uma sociedade como a norte-americana, em que corromper o fiscal da prefeitura é bem mais raro, teve há pouco um governo cujo vice-presidente favoreceu, antieticamente, uma empresa de suas relações na ocupação do Iraque. 
A corrupção secreta e organizada não é privilégio de país pobre, "atrasado". Porém, se pensarmos que corrupção mata -porque desvia dinheiro de hospitais, de escolas, da segurança-, então a mais homicida é a corrupção estruturada. Precisamos evitar que a necessária indignação com as microcorrupções "culturais" nos leve a ignorar a grande corrupção. É mais difícil de descobrir. Mas é ela que mata mais gente. 




RENATO JANINE RIBEIRO, 59, é professor titular de ética e filosofia política do Departamento de Filosofia da USP. É autor, entre outras obras, de "República" (coleção Folha Explica, Publifolha).


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br






Discordar da Reforma da Previdência não te faz “petista” ou “mortadela” 

Leonardo Sakamoto 

25/04/2017 17:40 

O resultado da greve geral, prevista para a sexta (28), contra as Reformas da Previdência e Trabalhista, interessa a quem se diz de esquerda, de centro e de direita. A mortadelas e coxinhas. Ao pessoal que gosta de rock ou que curte sertanejo universitário, mas também à turma do violãozinho da MPB ou do gospel tradicional. Palmeirenses, flamenguistas, colorados, rubro-negros baianos e até os que torcem para o Íbis. Porque, independentemente a qual grupo pertença, muita gente está preocupada com o futuro de suas aposentadorias e com a piora na qualidade do emprego no Brasil. 

Pesquisa Vox Populi aponta que 93% rejeita o aumento da idade de aposentadoria para 65 anos e do tempo mínimo de contribuição para 25 anos. Enquanto pesquisa do DataPoder360 mostra que 66% da população é contra a proposta de Reforma da Previdência e 73% é contra a imposição da idade mínima de 65 anos. 

São números muito grandes para serem apenas de ''mortadelas'', como alguns se referem aos que se colocam ideologicamente à esquerda. Isso também inclui os ''coxinhas'', como alguns se referem aos que se colocam ideologicamente à direita. 

Parte da classe média e dos mais pobres perceberam que a fatura da crise vai cair, prioritariamente, em seu colo. E nada dos mais ricos pagarem mais imposto de renda ou verem taxados os dividendos de suas empresas. 

As pessoas não são irresponsáveis. Sabem que reformas precisam ser feitas, mas discordam da forma como as propostas estão sendo discutidas, ou do prazo de transição de modelo, ou da intensidade da mudança, ou das categorias privilegiadas e imunes, ou da diferença do sacrifício de pobres e ricos para manter o sistema funcionando. 

Em suma, discordar da Reforma da Previdência não te faz ''petista'' ou de ''esquerda''. Da mesma forma que nem todos que se colocaram contra Dilma e o PT defendem Aécio e o PSDB. Criticar as reformas mostra apenas que você se preocupa com seu futuro e quer um governo que trabalhe também para o povo e não apenas para a elite. 

De acordo com levantamento coordenado pelos professores Pablo Ortellado e Marcio Moretto (USP) e Esther Solano (Unifesp), 74,8% dos manifestantes que foram à avenida Paulista chamados pelos movimentos pró-impeachment para apoiar o ato de combate à corrupção do último dia 26 de março se declarou contra a proposta de Temer para a Previdência. 

Na tentativa de desanimar quem vai à rua nesta sexta para criticar e debater a Reforma da Previdência, estão circulando na internet memes dizendo que quem for protestar apoia Lula, a CUT ou o PT. O que é um absurdo completo. É a famosa falácia do argumentum ad hominem, expressão latina que significa “argumento contra a pessoa”. É usada por quem acha que, para desmontar um discurso, deve-se atacar o argumentador. Quando, na verdade, um diálogo saudável se constrói com a crítica ao argumento. 

Já no protesto contra as reformas, no dia 15 de março, havia desde pessoas que apoiavam o ex-presidente Lula e eram de centrais sindicais próximas ao PT, passando por centrais que não reconhecem Lula como sua liderança e coletivos independentes que são críticos a partidos e sindicatos, até profissionais liberais e grupos sociais que estiveram nos protestos pela queda de Dilma e são abertamente antipetistas. 

Pois a discussão das propostas polêmicas da Reforma da Previdência interessa a todos. Como a obrigação de 25 anos ininterruptos de contribuição para trabalhadores assalariados do campo e da cidade poderem se aposentar. E os 15 anos ininterruptos para trabalhadores da agricultura familiar requererem as pensões. Se isso passar, há quem, simplesmente, vá contribuir e não conseguir se aposentar, tendo que esperar mais alguns anos pelo benefício de assistência social a pessoas idosas pobres. 

Se o ressentimento latente e o ódio cultivado em ambos os lados da polarização ideológica não dificultasse o estabelecimento de pontes de diálogo, a Reforma da Previdência, do jeito em que está posta pelo governo federal, uniria ''mortadelas'' e ''coxinhas'', talvez até nos mesmos protestos. Porque eles já estão unidos nas pesquisas de opinião. Afinal, todos conseguem perceber quando um governo do PMDB, do PT, do PSDB, de quem quer que seja, está querendo passar a perna na gente. 

Como já disse aqui, a sorte do governo Temer é que há pessoas que serão afetadas pela mudança que não conseguem enxergar seres humanos iguais em direitos no outro campo ideológico. Pelo menos, por enquanto.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Política pública educacional

Um pouco de política pública educacional

O PLS 198/2013 pode ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado  a qualquer momento dando mais um passo para estimular a privatização da educação básica no Brasil. Com isso, o Estado vai se retirando. Trata-se de desconto em imposto de renda para empresas (pessoas jurídicas, na verdade) e pessoas físicas que fizerem doações a escolas. Institui o Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita (PRONIE).
“Está pronto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o projeto de lei (PLS 198/2013) que cria o Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita (Pronie). O projeto autoriza a dedução  no Imposto de Renda, por pessoas físicas e Jurídicas, de doações feitas para escolas da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio.
De autoria do senador licenciado Blairo Maggi (PR-MT), o projeto cria o Pronie para incentivar a doação de recursos privados que sirvam para ampliar os investimentos e melhorar a qualidade da educação escolar gratuita em todo o país, ou seja, nas escolas públicas e nas escolas privadas sem fins lucrativos. O projeto recebeu voto favorável do relator, o senador Ivo Cassol (PP-RO), e ainda terá de passar pelas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Educação, Cultura e Esporte (CE).
Pessoas físicas e jurídicas poderão fazer doações ou patrocinar projetos de instituições de ensino gratuito para melhoria da educação escolar básica, construção, ampliação ou reforma de escolas, aquisição de equipamentos e materiais didáticos ou atualização e aperfeiçoamento de profissionais da educação.
As pessoas físicas poderão deduzir até 100% dos valores doados a projetos educacionais, limitado a 6% do Imposto de Renda devido, tendo como referência a declaração de ajuste anual feita no modelo completo. O contribuinte terá apenas que informar, na aba “pagamentos efetuados” da declaração do Imposto de Renda, nome e CNPJ da escola que recebeu a doação e o valor doado.
As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real poderão deduzir até 100% dos valores doados, observado o limite de até 4% do Imposto de Renda devido. Entretanto, as pessoas jurídicas não poderão deduzir os valores para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL). Já as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido poderão deduzir 50% das doações efetuadas.
Não serão dedutíveis doações a instituições privadas sem fins lucrativos que tenha em seu corpo diretor “pessoa física vinculada ao doador ou patrocinador, assim considerados o cônjuge e parentes até terceiro grau”.
Todas as instituições beneficiadas com doação ou patrocínio estarão sujeitas a fiscalização dos órgãos públicos competentes, quanto à movimentação financeira e ao alcance dos objetivos.
O autor do projeto lembra que o artigo 205 da Constituição determinou que a educação, além de ser um direito de todos, é dever do Estado e da família e deve ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.
Blairo Maggi argumenta, na justificação do projeto, que com a proposta “dá-se às pessoas físicas e jurídicas a oportunidade de direcionar parte dos gastos que derivariam da receita de Imposto de Renda para doações e patrocínios diretos, ao alcance da demanda e do acompanhamento da sociedade local”. Para ele, “a grande vantagem do mecanismo é a oportunidade de uma colaboração direta de pessoas e empresas a demandas objetivas de escolas públicas e comunitárias gratuitas de sua própria comunidade, estreitando os laços de cidadania”.
O relator do projeto diz que o mérito da proposta é inegável, pois o Estado “deve oferecer instrumentos que facilitem o financiamento privado da educação, tanto das instituições públicas quanto das instituições privadas sem fins lucrativos”. Cassol acredita que a medida vai ampliar a participação da sociedade no desenvolvimento da educação e melhorar a qualidade do ensino.
Texto da Agência Senad




 Uma Base em falso
 Salomão Ximenes e Fernando Cássio

 11 Abr 2017

 A Base Nacional Comum Curricular nasce em falso, parcial, sem condições institucionais de implementação e sem legitimidade capaz de lhe assegurar a adesão genuína de educadores e gestores Na última quinta-feira (6/4), o Ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), encaminhou ao CNE (Conselho Nacional de Educação), em sua 3ª versão, a proposta de Base Nacional Comum Curricular (a BNCC). Esse documento propõe estabelecer os objetivos de aprendizagem de cada ano da educação infantil e do ensino fundamental, passo significativo rumo à padronização dos currículos escolares. A conclusão dessa etapa deve ser atribuída, sobretudo, aos movimentos empresariais que incidem na educação pública, reunidos no Movimento pela Base Nacional Comum. Segundo o próprio movimento, a BNCC servirá como “espinha dorsal” para os direitos de aprendizagem de cada aluno, para a formação dos professores, os recursos didáticos e as avaliações externas. Embute, portanto, um projeto de reforma da educação brasileira, assim como uma concepção reducionista que descaracteriza o direito à educação. Alguns pontos da proposta de BNCC ficaram evidentes e povoaram as avaliações e críticas imediatas. O desenho do texto se dá em torno de dez competências gerais a serem alcançadas na educação básica. De última hora, foram retirados os conceitos de gênero e de orientação sexual de uma das competências a serem promovidas nas escolas. Contra a Meta 5 do PNE (Plano Nacional de Educação), propõe-se acelerar em um ano o processo de alfabetização. Essas características, contudo, não vão ao essencial: a BNCC nasce em falso, parcial, sem condições institucionais de implementação e sem legitimidade capaz de lhe assegurar a adesão genuína de educadores e gestores. Direitos de aprendizagem versus direito à educação Primeiro, é evidente a contradição de se lançar uma BNCC parcial, que não responde sequer à educação básica, ao excluir o ensino médio, quando a nova lei (n. 13.415, de 2017) que regula essa etapa caminha rumo à fragmentação da oferta em “itinerários formativos” de viés francamente classista, que limitam os conteúdos comuns aos destinatários da educação profissional.